segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Existe uma estimativa de que 20 milhões de pessoas da população no Brasil inteiro ainda não tenham tido acesso ao tratamento com o cirurgião dentista

Quantas vezes por dia é preciso escovar os dentes? De quanto em quanto tempo tem que trocar a escova? Parece pergunta para criança, parece óbvio, mas tem gente que fica na dúvida. Para muita gente no Brasil, usar escova de dentes, pasta e fio dental todo dia é luxo.
Esta semana, dentistas do mundo inteiro se reuniram no interior de São Paulo para falar da saúde da boca dos brasileiros. As conclusões que eles apresentaram são preocupantes.
Em um salão de uma igreja em São Paulo, dentistas voluntários de uma ONG se esforçam para aliviar a dor de adolescentes que não têm como pagar por um tratamento dentário.

“É uma situação bem ruim porque tem dois dentes que você vai ter de tratar canal já”, diz um dentista para uma paciente.

“Praticamente, se não tratasse com uma certa urgência, ela ia perder os dois, na verdade”, explica a dentista.

O Fantástico foi até a casa de uma das crianças selecionadas para ganhar o tratamento dentário gratuito, na Zona Leste de São Paulo. Só o Bruno foi selecionado, mas na família são sete irmãos e apenas cinco escovas de dentes.
Fantástico: Então ainda está faltando para uma criança, para a senhora...
Mãe de Bruno: Para mim e para o Bruno.
Fantástico: Estão aonde?
Mãe de Bruno: Não tem, ainda vou comprar as escovas, as duas.
“Faço assim e está molhada. Aí eu penso assim, quem usou, e falo: 'quem usou a minha escova?'”, conta uma jovem.
Falta dinheiro para comprar escovas de dente para todos. É o que acontece, também, com uma família de Ferraz de Vasconcellos, na Grande São Paulo.
“Escova de dente é quase R$ 5, assim, dá mais ou menos. Da mais avançada é um pouco mais cara”, diz o pedreiro Fábio da Silva.
A situação preocupante foi discutida em um encontro que reuniu dentistas de 14 países no interior de São Paulo.
“Nós começamos a ver, nas casas das periferias, uma escova no banheiro que a família inteira usa, 
quando tem”, afirma o presidente da ONG Turma do Bem, Fábio Bibancos.
Segundo dados de fabricantes de produtos de higiene pessoal, o brasileiro consumiu uma média de duas escovas de dentes em todo o ano de 2013. Uma troca a cada seis meses. O recomendado pelos dentistas é mudar de escova a cada três meses, ou: “Que ela seja trocada sempre que o estado das cerdas não esteja favorável a utilização para a higiene bucal”, explica o presidente do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo, Cláudio Miyake.
O Conselho Federal de Odontologia reforça o alerta com outra pesquisa feita esse ano.

- 20% dos brasileiros não vão ao dentista por falta de dinheiro;
- 46% das pessoas consideram difícil o acesso a dentistas;
- 1/3 não conclui tratamento público por problemas de agendamento de consulta;

- 68% não sabem sequer que têm direito ao atendimento público de saúde bucal;
E mais: “Existe uma estimativa de que 20 milhões de pessoas da população no Brasil inteiro ainda não tenham tido acesso ao tratamento com o cirurgião dentista”, diz Cláudio Miyake.
“Esse mês, eu ganhei R$ 400. Então, para eu tratar dos dentes deles, só dependendo do SUS mesmo”, conta Fábio da Silva.

E quem depende do SUS precisa ter uma boa dose de paciência
Fantástico: O que que aconteceu? O que que te disseram no posto?
Fábio da Silva: Eles falam para voltar sempre.
Fantástico: Nunca você conseguiu passar com dentista?
Mulher de Fábio: Nunca consegue passar.
Fantástico: Do SUS?
Mulher de Fábio: Isso. Aí, a pessoa vai cansando.

O Fantástico percorreu postos de saúde públicos em São Paulo e no Distrito Federal e constatou como é difícil marcar consulta.
Atendente: Só vai abrir vaga agora para janeiro.
Fantástico: Em janeiro?

Atendente: Não abriu vaga para agendamento ainda.
Atendente: Aqui, se tiver sentindo dor, pode vir às 7h tentar vaga de encaixe.
Nesse mesmo posto, na Zona Leste de São Paulo, funcionários usam cadeiras de dentistas para descansar em pleno horário de expediente.
Fantástico: Não está atendendo aqui hoje?
Funcionária: Só tem serviço de manhã.
Fantástico: Só de manhã?
Funcionária: Só.
Em Ceilândia, no Distrito Federal, mais espera.
Fantástico: Aqui é fácil de marcar, moço?
Funcionário: Não.
Fantástico: Não é fácil de marcar?
Funcionário: A lista de espera é muito grande. De março do ano passado, agora que estão atendendo. Março do ano passado.
Fantástico: Se eu marcar hoje, então, vai demorar?
Funcionário: Só Deus sabe quando vai.
O Ministério da Saúde diz que a situação melhorou nos últimos dez anos, mas admite que ainda há muito a se fazer.
“Ainda persistem problemas, sim. Persistem em bolsões de exclusão social”, afirma o consultor de saúde bucal do Ministério da Saúde Gilberto Pucca.

Para o governo, não adiantaria simplesmente distribuir escovas de dente de graça.
“Você tem que distribuir com orientação profissional, com orientação de quem entenda”, aponta Gilberto Pucca.

O secretário de Saúde de São Paulo comenta as situações que nossa equipe encontrou nos postos da cidade.

“Nós vamos de fato reequilibrar e garantir um acesso que seja, no máximo de 15 a 30 dias, é com a chegada desses novos dentistas que nós estamos chamando agora até o final de novembro”, destaca o secretário municipal da Saúde de São Paulo, José de Filippi Jr.
Sobre os funcionários flagrados descansando em cadeiras de dentista: “Só tem atendimento no período da manhã. No período da tarde é para o consultório ficar fechado. Eu lamento se teve alguém que utilizou de forma inadequada. Nós vamos fazer agora uma investigação, um processo administrativo, para apurar”, afirma José de Filippi Jr.

“O Brasil avançou, mas temos muito que conquistar ainda em termos de índices de saúde bucal da nossa população”, defende Cláudio Miyake.
Enquanto isso não acontece, o sorriso de boa parte da população continua comprometido.


Dr Cláudio Miyake - Presidente do CROSP




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